A adoção em massa do bitcoin não vai acontecer

Entenda por que a adoção em massa do bitcoin pode ser uma tarefa árdua e quais soluções estão sendo discutidas.

Se você foi exposto ao bitcoin de alguma forma, certamente já se deparou com esta expressão em algum momento:

Sem suas chaves, sem seu bitcoin

Na verdade, esta é uma versão abreviada de uma afirmação feita por um dos OGs do bitcoin, Andreas Antonopoulos, que diz, mais precisamente:

Suas chaves, seu bitcoin. Sem suas chaves, sem seu bitcoin

É uma diferença sutil, pois a primeira parte já é implícita, mas enfatiza bem o ponto.

Mas isso também abre a porta para uma conversa muito maior e que, acredito, atualmente não tem uma solução satisfatória.

Deixe-me dar um exemplo com o qual você pode se identificar.

Seus bens mais valiosos

Quais SÃO seus bens mais valiosos? Sua casa? Seu carro? Seu bitcoin?

Claro, eles são dignos de cuidado, mas certas coisas são muito mais valiosas em um nível pessoal. E as suas fotos nos últimos anos?

Tudo isso provavelmente é digital agora e você as visualiza na tela em vez de em pedaços de papel, como fazíamos nos bons e velhos tempos. Mas isso apresenta um novo conjunto de problemas.

Além do fato de que tiramos muito mais fotos do que antes, porque é tão fácil fazê-lo, há a questão de armazená-las e organizá-las.

A cada dia, recebo um lembrete da Microsoft perguntando se gostaria de visualizar minhas memórias fotográficas desse dia ao longo dos anos. Eu nunca resisto a selecionar ‘sim’, mesmo se estiver no meio de algo (como escrever um artigo), e gasto vários minutos admirando momentos no tempo capturados ao longo das últimas duas décadas.

No entanto, a verdade é que essa apresentação organizada por dia esconde completamente o caos em que minhas fotos estão. Eu as tenho todas na nuvem – em algum lugar – mas também milhares mais em vários backups que consistem em discos rígidos sobressalentes, pendrives ou DVDs que eu gravei. Em um dos meus armários, também tenho uma grande pilha de fotos não organizadas que imprimi em um frenesi com uma nova impressora fotográfica que consegui desgastar em um único dia e não me preocupei em substituir desde então.

Eu até tenho backups de backups porque não tenho certeza do que realmente fiz backup na primeira vez e acabo fazendo backup de tudo novamente.

O ponto disso não é realmente o caos do armazenamento, é a questão fundamental que está por trás dele.

Esses ‘ativos’ super preciosos são totalmente digitais. Estou plenamente ciente de que, se apagá-los acidentalmente, ou não os fizer backup o suficiente, eles estarão perdidos para sempre. Um pouco como o bitcoin, se você perder sua frase-semente, por exemplo.

Mas, com o bitcoin, é ainda mais complicado.

O dilema da segurança

Se você está cuidando do seu bitcoin sozinho – que é a maneira recomendada de fazê-lo – então você precisará da sua frase-semente. E você precisa cuidar dela.

Mas você não pode simplesmente ter backups aleatórios de uma frase-semente espalhados por aí, armazená-los na nuvem OU mesmo no seu computador, pois isso seria um risco claro de segurança. Em outras palavras, ao contrário das fotos, você realmente não pode ter vários backups, a menos que esteja disposto a arriscar a segurança de suas preciosas moedas.

Então, o que você faz com elas?

Bem, você pode escrevê-las à mão em um pedaço de papel, mas o que você faz com isso depois? Coloca em uma pasta marcada “Bitcoin” ou algo assim? Não é lá muito ideal.

Claro, com um dispositivo de hardware, mas você também tem a mesma questão sobre onde mantê-lo. E se algo acontecer com ele, você perder ou esquecer como acessá-lo? Apenas considere o recente problema com o Ledger, que afetou todas aquelas pessoas que estavam “fazendo a coisa certa” ao colocar seu bitcoin em armazenamento a frio, tudo arruinado por uma gestão de software centralizada descuidada e que minou totalmente a confiança nos dispositivos de hardware em geral.

As outras opções são uma carteira de auto-custódia ou um serviço custodial como uma exchange, que todos vêm com outros riscos, geralmente maiores. Relacionado a isso, há coisas como carteiras multi-sig que exigem entradas de outras partes para desbloquear, talvez mais adequadas a aplicações como tesourarias de empresas.

Resumindo, não há opção perfeita e, de modo geral, quanto mais responsabilidade você assume, mais difícil realmente fica.

E como isso se encaixa com pessoas novas no bitcoin que precisarão de tempo para se acostumar a entender como tudo isso funciona?

Contexto

Esse problema não é realmente exclusivo do bitcoin, se pensarmos bem. Não existe realmente um sistema de segurança perfeito – são apenas graus de quão difícil é para um ator mal-intencionado obter suas moedas e, no caso do bitcoin, também quão provável é que você perca o acesso de alguma forma.

Se houvesse um sistema de segurança perfeito, nunca teríamos vazamentos de dados, vazamentos de informações ou os problemas atuais que existem com o sistema bancário.

Não me entenda mal, a maioria deles é realmente boa, e geralmente é um erro humano ou a aplicação descuidada dos protocolos de segurança (novamente por humanos) que leva aos problemas de que ouvimos falar. Mas todos têm uma fraqueza em algum lugar e quase todos podem ser vulneráveis ao ataque da “chave de R$5”, independentemente do caminho que você escolher.

Em outras palavras, você pode ter o melhor e mais caro protocolo de segurança do planeta, mas se alguém conseguir invadir sua casa e ameaçar você ou sua família com, neste exemplo, uma chave de R$5, você acabará entregando.

Simplesmente não há uma resposta direta. Então, o que fazemos?

Segurança extrema

No livro “Bitcoin Billionaires” de Ben Mazrich, ele descreve o quão a sério os gêmeos Winklevoss levaram a segurança de seu bitcoin no Capítulo 11, chamado “O roubo reverso”.

Em resumo, eles compraram 2 novos laptops, um frio, um quente, baixaram um software de carteira digital no quente, transferiram via USB para o frio, usaram um jogo de dois dados hexadecimais de dezesseis lados em condições controladas para gerar uma nova chave privada e então imprimiram a saída em três páginas separadas chamadas Alpha, Bravo e Charlie.

A única maneira de obter a chave privada era ter as três seções juntas. Não haveria outras cópias dessa chave em qualquer outro lugar do mundo de qualquer outra forma.

Imprimiram as mesmas três páginas quatro vezes, então havia doze páginas físicas no total, colocaram cada página em um envelope rotulado dependendo de seu ‘chamado’ e então passaram os próximos três dias viajando separadamente pelos EUA, colocando Alpha, Bravo ou Charlie em cofres bancários separados em doze diferentes bancos, cidades e estados.

Uma vez feito, destruíram os laptops, roteadores e até a pobre impressora inocente para que nenhum rastros digitais pudessem ser encontrados.

Isso, claro, é extremamente seguro e até mitiga um pouco o ataque da chave de R$5, uma vez que é claramente impossível entregar as chaves mesmo sob extrema pressão.

Mas não é exatamente prático e, se algo acontecer com os gêmeos, ainda precisaria haver alguma redundância para os herdeiros. Isso significa, no mínimo, registrar onde os cofres bancários estão realmente.

Como eu disse, nenhum sistema é 100% perfeito. Este apenas chega muito perto.

Se assumirmos que a outra ponta da segurança é manter sua frase-semente no iCloud ou escrita na frente do seu diário na mesa, então precisamos encontrar algum lugar que equilibre acessibilidade, usabilidade e segurança, e combine esse equilíbrio com o seu perfil de uso.

Então, se você planeja apenas manter um pouco de bitcoin por muito tempo e nunca movê-lo, a segurança extrema pode ser considerada a la estilo Winklevoss. Mas isso provavelmente será relevante apenas para uma certa quantidade.

Talvez você gaste algum regularmente, talvez você DCA ou simplesmente precise de acesso rotineiro de tempos em tempos – o que você faz então? Onde está esse equilíbrio?

O problema em um nível macro

Assim que você extrapola esses problemas para um nível macro – como seria o caso se a adoção realmente acelerasse – realmente conseguimos ver a escala do problema.

Isso não só significa uma montanha de educação bastante avançada tendo que acontecer para chegar a algum lugar perto da auto-custódia, mas também temos outra limitação técnica importante – camada um do próprio bitcoin.

Mesmo que os blocos do bitcoin fossem apenas cheios de transações monetárias (algo que definitivamente não é o caso no momento da redação, graças aos Ordinais e STAMPS), só conseguiríamos alcançar cerca de 350.000 transações por dia, ou perto de 128 milhões de transações por ano.

Como esse número não pode ser alterado sem mudar o próprio protocolo, isso significa que a auto-custódia para oito bilhões de pessoas é matematicamente e praticamente impossível. Na verdade, em termos reais, isso provavelmente significa que a auto-custódia para mais de talvez alguns centenas de milhões de pessoas é realmente impossível. E mesmo assim, alguns deles precisariam esperar um ano antes que suas transações fossem aprovadas, matematicamente falando, mesmo que só transacionassem uma vez ao mover para ou do armazenamento a frio.

A camada um do bitcoin, por design, não se escala, então o espaço em bloco será sempre extremamente valioso. A solução precisa vir de outro lugar.

Então, o que é?

Um mal necessário?

De certo modo, não importou que não seja tão fácil fazer a auto-custódia ou que essa limitação exista na camada um até este ponto.

Menos de 2% da população mundial provavelmente está usando bitcoin no momento e uma grande parte deles são early adopters que estão interessados em todos os aspectos do que essa rede global pode alcançar. É justo dizer que eles têm uma maior propensão a assumir a responsabilidade pessoal pela segurança de seu bitcoin.

Mas a verdade é que já podemos estar nos aproximando dos limites do que é possível.

Estive envolvido no setor em tempo integral desde 2017 e, nesse tempo, vi o setor evoluir muito, mas em muitas áreas mal começamos. Na minha opinião, este é um deles.

No entanto, temos um precedente que nos dá uma boa visão sobre o que pode acontecer a seguir.

Estive profundamente envolvido em computadores desde que começaram a se tornar amplamente disponíveis no início dos anos 1980. Depois, na década de 1990, fui encarregado de impulsionar a adoção da internet no Reino Unido através da empresa para a qual estava trabalhando na época. Essa empresa era a Microsoft.

Naquela época, a computação era um trabalho árduo e exigia altos níveis de habilidades técnicas, mas a participação de empresas grandes que investirão quantias muito grandes de dinheiro nos problemas apresentados, incluindo facilidade de uso, resolveu muitos desses problemas e levou aos níveis de adoção quase universais que desfrutamos hoje.

Mas, curiosamente, isso não foi bem recebido pelos primeiros adotantes da internet. Essas pessoas viam a internet como seu domínio privado de ‘speakeasy’ para fazer ou dizer o que quisessem, e definitivamente não para ser ‘explorada’ por corporações visando o lucro. Eu até recebi alguns e-mails bastante desagradáveis desses usuários que estavam furiosos com a participação de empresas como a que eu trabalhava.

No entanto, como agora sabemos, a participação dessas empresas construindo sobre a camada base da internet foi absolutamente necessária, apesar de alguns dos problemas que também criou.

Sem ela, ainda estaríamos nos dias da discagem e operações baseadas em texto.

Então, o que podemos aprender com isso?

Uma visão controversa

Em termos de bitcoin, isso significa, em última análise, confiar no desenvolvimento de terceiros, provavelmente em camadas diferentes da camada um, e possivelmente soluções de armazenamento de terceiros – algo que atualmente é um completo ‘não’ para os hardcore bitcoiners.

Mas esse modo de pensar surgiu em grande parte porque as exchanges provaram ser muito pouco confiáveis em termos de segurança e confiança em geral. Você estaria louco em manter bitcoin nesses lugares por um longo período.

Isso é, neste momento.

Mas e se não fosse o caso?

E se essas exchanges estivessem devidamente seguras, regulamentadas, garantidas e respaldadas? E se tivéssemos um sistema semelhante ao dos bancos, onde eles estivessem encarregados de cuidar dos seus ativos da mesma forma que cuidam do seu dinheiro?

Claro, isso leva a todos os tipos de outros problemas, não menos importante que os bancos parecem estar intentos em tornar o mais difícil possível fazer negócios com eles ou mesmo retirar seu próprio dinheiro, mas é mesmo concebível que poderíamos ter um ‘caminho terceiro’?

Nesse modelo, pegaríamos o melhor do sistema bancário – segurança, responsabilidade, seguro e aprovações legislativas rígidas – mas deixaríamos de fora a hipoteca imprudente, restrições nos movimentos de dinheiro e regras sobre onde você pode e não pode gastar seu próprio dinheiro ou, neste caso, bitcoin.

Não que o sistema bancário tenha tudo resolvido também. Aqui no Reino Unido, apenas depósitos de até £85.000 são cobertos pelo FCSC (Financial Services Compensation Scheme) e nos EUA é o FDIC (Federal Deposit Insurance Corporation) que cobre até $250.000. Os bancos não falham com frequência, mas eles falham e quando falham, o impacto pode ser significativo. No momento, há muito pouco recurso, se é que existe, para falhas de exchange.

Talvez precise haver algum tipo de entidade intermediária que se sente ao lado dos bancos e exchanges, efetivamente dedicando-se e assegurando custodientes de terceiros, mas totalmente em nível de varejo, com acesso fácil e seguro para pessoas físicas, e integrados à funcionalidade da indústria do bitcoin.

E, uma vez que o bitcoin é verdadeiramente global, eles poderiam atender qualquer local no planeta por meio de um consórcio liderado e gerido pela indústria, independentemente da jurisdição.

Curiosamente, desde a publicação deste artigo, fui informado por um colega usuário do Twitter de uma thread de Hal Finney, escrita quase exatamente há 13 anos, que eu não conhecia. Nela, essa lenda do bitcoin na verdade fala sobre a necessidade de bancos bitcoin da mesma forma que estou discutindo aqui. Aqui está o post, mas você pode ler toda a thread aqui:

Portanto, talvez a ideia não seja tão controversa quanto parece à primeira vista, mesmo que esteja claro que realmente não chegamos tão perto de acertá-la até agora.

Claro, ainda haverá, e deve definitivamente haver, um espaço para armazenamento pessoal de longo prazo em qualquer formato que o usuário preferir, mas essa abordagem seria o cumprimento da lacuna entre os dois, com backup e paz de espírito. Adicione uma boa interface de usuário e sistemas de segurança que as pessoas já estão acostumadas e você está pronto.

Certo?

Problemas

Embora, na teoria, isso pareça resolver certos problemas, cria um conjunto inteiro de novos e, na verdade, questiona alguns dos valores fundamentais do bitcoin.

Esse tipo de abordagem exige a concessão da auto-soberania através do KYC (Conheça seu Cliente) e efetivamente entregando chaves privadas a terceiros, palavras que fariam qualquer ‘verdadeiro’ bitcoiner hesitar à mera sugestão.

Mas a questão é que eles não são realmente o público-alvo.

O público-alvo aqui é Joe Bloggs da rua principal, que nunca desejará mais do que uma maneira fácil de interagir com isso e confiará em um terceiro – como sempre fez em suas vidas – para fazer o trabalho nos bastidores e pagar um prêmio por isso.

O ETF de bitcoin à vista, por exemplo, é uma maneira de certas organizações fazerem exatamente isso.

Eles quererão algo que seja fácil e que lhes dê acesso fácil através de qualquer dispositivo por meio de uma interface simples e bonita, segurança, seguro e suporte. E eles com certeza não vão abrir mão da moeda fiduciária tão cedo, porque (especialmente em países desenvolvidos) esse é o ‘dinheiro real’, certo?

Embora nós, como primeiros bitcoiners, preferíssemos que todos fizessem auto-custódia, permanecessem auto-soberanos e entendessem por que isso é importante, a reeducação dos usuários de todo o sistema financeiro global não é fácil nem rápida. Estamos falando de décadas aqui, senão gerações.

Em muitos, senão na maioria, dos casos, as pessoas não entendem nem mesmo como o sistema existente funciona, quanto mais um que é completamente novo e parece perplexo quando examinado pela primeira vez. É um grande, enorme pedido, se olharmos objetivamente.

Não, a única maneira de fazer isso é encontrá-los no meio do caminho com sistemas e processos sólidos e seguros que eles estão acostumados e podem usar facilmente. A educação sobre auto-custódia e ser auto-soberano deve vir depois.

A grande coisa é que o formato da rede significa que ambas as abordagens podem coexistir sem que uma afete a outra. Os ‘puristas’ do bitcoin sempre poderão usar o elemento peer to peer e soluções de armazenamento de auto-custódia se escolherem fazê-lo, enquanto Joe Bloggs usa ‘The Bitcoin Bank PLC’ para gerenciar o seu.

Sim, haverá problemas, violações e perdas para aqueles que não forem cuidadosos, ainda mais se a indústria permanecer fora da regulamentação, mas, na minha mente, isso não é muito diferente dos primeiros dias da computação.

Nos dias do velho oeste da internet, muitas pessoas não levaram a segurança do seu PC a sério ou simplesmente não a entenderam, resultando em perdas de dados, dinheiro e identidade. Isso ainda acontece hoje, é claro, mas, em geral, os computadores são mais seguros, mais protegidos e mais fáceis de usar do que nunca.

Essas coisas vieram a um custo de usuários errando e identificando problemas para que terceiros pudessem resolver, como empresas de software antivírus. É uma curva de desenvolvimento que mal começamos. Haverá muitos passos em falso.

Então, sim, para muitos, especialmente para os primeiros adotantes do bitcoin, uma solução desse tipo pode ser muito controversa.

Mas eu realmente acredito que é tanto inevitável quanto essencial.